As investigações determinadas por Donald Trump e iniciadas pelo órgão responsável pelo comércio internacional dos EUA, a USTR, nesta terça, 15, trazem alguns pontos de atenção para o setor de tecnologia. A investigação será conduzida no escopo da Seção 301 da legislação de comércio norte-americana, que permite a tomada de medidas protetivas em caso de práticas que sejam consideradas danosas à economia dos EUA.
No documento preliminar divulgado pela USTR e que baliza o início da investigação (veja a íntegra aqui), Jennifer Thornton, general counsel do escritório da United States Trade Representative, dedica alguns parágrafos a criticar as ordens do Supremo Tribunal Federal contra empresas de Internet norte-americanas ou sediadas nos EUA que se recusaram a cumprir ordens de suspensão de postagens ou de suspensão de contas (que o documento chama de censura). O documento não menciona o contexto nem o teor das postagens cuja remoção foi determinada pelo Supremo, nem analisa o escopo territorial das ordens (se se aplicavam a cidadãos brasileiros ou representantes legais no Brasil), mas alega que tais medidas podem prejudicar interesses comerciais norte-americanos.
Artigo 19
Outro ponto apontado no relatório inicial é a decisão do STF de julgar parcialmente inconstitucional o Artigo 19 do Marco Civil da Internet. A manifestação de Jennifer Thornton não é direto ao se referir a este tema nem entra em detalhes sobre o julgamento, mas diz que a "Suprema Corte brasileira votou por tornar as empresas de redes sociais legalmente responsáveis (liable) por remover postagens ilegais e de conteúdo político, mesmo sem ordem judicial". A decisão do Supremo, destaque-se, enumera os crimes previstos no Código Penal Brasileiro em relação aos quais as plataformas de redes social têm o dever de cuidado e quais os casos em que este cuidado não se aplica.
Também é importante lembrar que o Marco Civil da Internet é uma legislação brasileira, e não um tratado internacional, que foi aprovada pelo Congresso Nacional e que compete apenas ao Supremo a avaliação sobre sua Constitucionalidade. Na época em que o Marco Civil foi discutido e aprovado, em 2014, um dos catalisadores foi o escândalo de espionagem supostamente praticada pelo governo norte-americano por meio de empresas de Internet.
PIX e transferência de dados
Outro ponto curioso apontado pelo documento inicial da investigação da USTR contra o Brasil é uma suposta concorrência competitiva desleal com "meios de pagamentos criados pelo governo". Sem explicitar ao que se refere, fica evidente que se trata do meio de pagamento PIX.
O relatório também cita, sem explicitar os casos, as "limitações amplas de transferência de dados pessoais para fora do Brasil, incluindo para os EUA, que não parecem ser limitações de rotina". Estas limitações, diz o documento,impedem a prestação de serviços adequada e o processamento de informações nos EUA.
Pirataria
Também existem referências uma suposta leniência brasileira no combate à falsificação de de produtos e combate à pirataria de conteúdos protegidos por propriedade intelectual. Se nos documentos preliminares de observação de práticas que pudessem ser enquadradas na Seção 301 a questão da propriedade intelectual aparecia, mas com elogios às iniciativas brasileiras, agora não há nenhuma referência positiva. Vale lembrar, por exemplo, que há três anos a Anatel vem conduzindo, agora em coordenação com a Ancine, uma ampla campanha de combate à pirataria de conteúdos audiovisuais, inclusive com bloqueio de sites.
Outro aspecto factual que aparentemente contradiz a tese da USTR: algumas empresas norte-americanas controladoras de marketplaces digitais e plataformas de cloud têm sistematicamente se recusado a colaborar com as iniciativas da Anatel de combate à venda de equipamentos ilegais, procedentes de contrabando, não-homologados e que são utilizados para a prática de pirataria de conteúdos de TV por assinatura. Alegam que a agência não tem jurisdição sobre estas empresas e, ironicamente, conseguiram liminares da Justiça brasileira para respaldarem suas teses jurídicas.
Próximos passos
O documento faz ainda referência a outros pontos supostamente danosos aos EUA, como acordos de tarifas que o Brasil mantém com o México, políticas de subsídio e restrições de importação de etanol e até mesmo falta de ações de combate ao desflorestamento.
A investigação terá várias fases e coletas de informação e, conforme o calendário detalhado no documento, deve se estender até pelo menos setembro.
A investigação surgiu da carta endereçada por Donald Trump ao governo brasileiro em que anuncia a aplicação de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos EUA como retaliação ao que Trump chama de "caça às bruxas" contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, medidas do Supremo Tribunal Federal que colocariam em risco empresas e cidadãos norte-americanos na Internet e a um suposto déficit comercial em desfavor dos EUA. Alguns dos argumentosda investigação já haviam sido levantados por TELETIME nesta matéria.